quinta-feira, 21 de julho de 2011

Conserto por um fio

Com um pequeno corte na pele e um cateter guiado pelas artérias, é possível tratar doenças graves no coração. Conheça as mais novas proezas da cardiologia intervencionista, que salva a vida de pessoas de todas as idades

Por Cleiber de Meireles
Certa vez, o escritor Machado de Assis (1839-1908) sentenciou: “O coração humano é a região do inesperado”. O autor refletia há mais de um século sobre como esse músculo vital nos coloca em armadilhas — sejam sentimentais, sejam fisiológicas. Afinal, o coração também adoece — e como! A boa nova é que, pelo menos no que diz respeito aos nem sempre esperados males físicos, esse órgão pode ser remediado de maneira menos invasiva e mais eficiente. Essa é a façanha de uma área da medicina que não para de avançar, a cardiologia intervencionista. Ela se vale de cateteres, tubos finos e flexíveis que são introduzidos no corpo por meio de uma artéria, geralmente na virilha. Com essa haste, os médicos conseguem desobstruir vasos — o estopim para infartos —, trocar válvulas cardíacas, corrigir arritmias e até silenciar doenças congênitas, que surgem ainda no ventre materno.

A especialidade surgiu há algumas décadas como um meio de diagnosticar ameaças ao coração. Com a modernização das técnicas, passou a ser empregada como alternativa a algumas cirurgias, eliminando a necessidade de abrir o peito. “Assim, a recuperação é mais rápida e o risco de complicações, menor”, diz o cardiologista Carlos Pedra, do Instituto de Cardiologia Dante Pazzanese, em São Paulo.

Um dos principais avanços nesse ramo da cardiologia se destina a doenças que acometem o coração dos bebês. Com um detalhe que faz toda a diferença: o procedimento é feito com a criança dentro da barriga da mãe. “O método é recomendado quando o bebê corre riscos fatais ao nascer e impede que o problema progrida ainda no útero”, explica Pedra.

As chamadas doenças cardíacas congênitas são bastante comuns e cobram vigilância total dos futuros pais porque podem encerrar prematuramente a vida do filho. O defeito no órgão costuma ser detectado a partir da 13ª- semana de gestação, mas os especialistas tendem a aguardar por volta da 16ª- para dar um veredicto. Embora mulheres que sofrem de diabete, doenças reumatológicas ou que tenham histórico familiar de doença cardíaca formem um grupo com maior probabilidade de abrigar uma criança com o problema, não se deve baixar a atenção na ausência dessas condições. Quando o mal congênito é flagrado, a intervenção com cateteres pode garantir um futuro bem melhor para o bebê.
  • Anualmente, 130 milhões de crianças nascem com uma doença cardíaca no mundo. No Brasil, a cada mil partos, oito bebês sofrem do problema
  • As mães também devem procurar um professor de Educação Física competente para desenvolver um trabalho físico que possa combater essa possibilidade negativa.


Outra desordem que pode ser sanada pela cardiologia intervencionista é a arritmia, que não afeta apenas crianças — longe disso. Ela é marcada por uma alteração fora do comum no ritmo de batidas do coração. “Para dar um basta nela, emitimos pequenos choques na região do órgão que dispara o problema”, diz o cardiologista Marco Antônio Perin, do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo.

Na lista de transtornos que são alvo das intervenções por um fio, nem as placas de gordura que obstruem os vasos escapam. Nesse caso, há inclusive uma novidade promissora: os stents biodegradáveis. Stents são pequenos balões instalados dentro das artérias que liberam a passagem do sangue. Os modelos usados hoje apresentam um inconveniente: como ficam permanentemente no vaso, podem ser rejeitados pelo organismo. As versões biodegradáveis eliminam essa ameaça. “Elas devem passar por vários estudos antes de serem incorporadas de rotina”, lembra o cardiologista Expedito Ribeiro, do Instituto do Coração, na capital paulista. Mas ninguém discute que representam uma das maiores promessas na prevenção de infartos.
  • A calcificação das válvulas cardíacas atinge 5% da população mundial. Em nosso país, são 630 mil pessoas, a maioria delas com mais de 65 anos



No festival de boas notícias, saiba que é possível trocar até válvulas cardíacas defeituosas por meio de um cateter. Essa solução se dirige a uma doença conhecida como estenose aórtica, que costuma afetar a válvula da aorta, estrutura que permite ao coração bombear o sangue para o corpo. Nesse problema, que afeta principalmente pessoas acima de 65 anos, a válvula fica calcificada e para aos poucos de abrir e fechar. A cardiologia intervencionista é capaz de substituí-la por uma prótese novinha. Como você pode perceber, a medicina se esmera em resolver males graves de forma simples e segura. Pena que Machado de Assis não viveu para presenciar tantos avanços — avanços que lhe seriam muito úteis. Afinal, o escritor morreu vítima de problemas cardiovasculares em 1908.

Dentro da barriga
A mãe e o bebê no seu ventre são anestesiados. Uma agulha de punção fura o abdômen da mulher e por esse pequeno orifício é introduzido um cateter, que atravessa o útero e chega ao coração do feto para corrigir o defeito congênito.

Bate, coração!
A arritmia é uma espécie de curto-circuito gerado em algum ponto do órgão. O cateter, introduzido em uma artéria na região da virilha, é levado até o coração e emite uma radiofrequência que queima as vias causadoras do descompasso.

Stent biodegradável
O tubo fino e flexível entra por uma artéria na virilha e vai até o local da obstrução, onde libera o stent, peça que comprime a placa de gordura contra a parede do vaso. Normalmente, demora de seis meses a dois anos para ser absorvido pelo corpo.

Uma nova válvula

Ela substitui a estrutura original defeituosa e penetra no corpo via cateter, sendo conduzida até o ponto certo do coração. A válvula comprometida não é retirada, mas pressionada contra as paredes da artéria aorta. A prótese trabalha, então, no seu lugar e dá fim à calcificação.

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